Era uma outra época. Sarajevo tinha uma energia positiva. Tempos felizes. Desde esse dia 8 de Fevereiro de 1984 muita coisa mudou, mas a memória perdura. Para alguns.

logoTambém os Invernos eram diferentes. Por vezes, logo no início de Outubro, chegava a primeira neve. E depois era a acumulação. Mantos de metros de espessura eram comuns. As pessoas estavam habituadas, fazia parte da vida.

Nestes Jogos Olímpicos a União Soviética renovou o título de campeã olímpica de hóquei no gelo. Senegal, as Ilhas Virgens, o Egipto, o Mónaco e o Porto Rico participaram pela primeira vez. Um total de 49 países, um recorde absoluto.

A decisão tinha sido revelada cerca de seis anos antes: Sarajevo tinha sido escolhida para acolher a 14ª edição dos Jogos, batendo a cidade japonesa de Sapporo e Gotenburgo.

Logo os organizadores se atarefaram na criação das estruturas necessárias, ficando a impressão que ninguém esperava receber a honra.

A aldeia olímpica foi construída, assim como novos hotéis, enquanto que os mais antigos eram requalificados. O famoso Holiday Inn, que serviu de quartel-general aos sérvios nos primeiros dias da guerra, foi uma das novidades.

Chegou-se a falar em se arrasar o centro histórico da cidade, a Baščaršija, para se construir algo à medida do grande evento, mas felizmente as autoridades limitaram-se a renovar a área. As principais avenidas da cidade foram repavimentadas, fachadas de edifícios pintadas, os carris de eléctricos substituídos.

sarajevo1984winterolympicgamesmascotA mascote dos Jogos foi seleccionada pelo leitores dos jornais jugoslavos, de entre um grupo de seis finalistas. O vencedor foi o simpático lobo Vučko.

Nos dias que antecederam o início dos jogos havia ansiedade no ar. Porquê? Não existia memória de um mês de Fevereiro sem neve, mas naquela ano de 1984 a Primavera parecia ter substituído o Inverno. Toda a gente mirava o céu, em busca das desejadas nuvens que cobririam de neve as montanhas que abraçam Sarajevo: Jahorina, Bjelašnica, Igman e Trebević.

No serão da véspera da grande abertura as pessoas estavam nas ruas da cidade. Havia voluntários vindos de toda a Jugoslávia e atletas de muitos países. As lojas e restaurantes estariam abertos pela noite dentro. Naquele momento Sarajevo era o centro do universo e os seus habitantes estavam felizes.

Subitamente a neve chegou. Para tornar tudo ainda mais perfeito. Primeiro timidamente, depois, deixando claro que vinha para ficar, continuou a cair. Nevou toda a noite. E de repente havia mais de um metro de neve no solo e era demais. Marc Hodler, presidente da Federação Internacional de Esqui, contactou Branko Mikulić, do Comité Olímpico da Bósnia: – “Como é que vão resolver este problema, serão precisos milhares de pessoas para nivelar as pistas!”. O seu interlocutor respondeu-lhe: – “Chegam cinco mil?”.

A rádio emitiu um pedido para que a população se voluntariasse para esta enorme tarefa, e a verdade é que pela manhã, depois de uma noite de intenso trabalho, as pistas estavam em perfeitas condições e a cidade estava pronta para o grande dia.

A cerimónia de abertura teve lugar no estádio Koševo, dirigida por Mika Špiljak, presidente da Jugoslávia. Foi um dia de enorme festa na cidade.

olimpicgames-03A Jugoslávia não foi brilhante na conquista de medalhas, mas quando Jure Franko (na imagem) obteve o segundo lugar na prova de grande slalom de esqui, a festa foi de arromba.

Pela noite dentro comemorou-se em frente ao Skenderija, que ainda hoje pode ser visto perto do centro de Sarajevo.

As pessoas levaram cartazes com a inscrição Volimo Jureka Više Od Bureka, o que significa mais ou menos “Gostamos mais de Jurek do que de Burek [uma tarte salgada muito apreciada na gastronomia bósnia]”, o que para alguém de Sarajevo é mesmo um grande elogio. E quando o próprio Jurek apareceu no palco ali montado para agradecer a festa, o público foi ao rubro.

Cerca de oito anos após a cerimónia de encerramento iniciou-se a guerra. Muitas das estruturas construidas para os Jogos Olímpicos foram destruídas intencionalmente pela artilharia sérvia.

O Complexo Desportivo de Zetra, que albergou essa mesma cerimónia, foi bombardeado, consumido pelas chamas, completamente arrasado (reconstruido e aberto em 1999 devido à influência do antigo Presidente do Comité Olímpico Internacional, Juan Antonio Samaranch, que tinha prometido fazer tudo ao seu alcance para a recuperação do recinto).

Sorte idêntica sofreram o Centro Skenderija e o Museu Olímpico. Ao longo do percurso de tobogan os sérvios instalaram posições de artilharia para flagelar a cidade sitiada e instalaram vastos campos de minas.

tobogan

Hoje, as estruturas que foram palco de tanta emoção e espectáculo estão votadas ao abandono. As imagens da pista de tobogan, coberta de graffities e envolvida por matagal, são fáceis de encontrar na Internet. Mas existem outros locais, outros traços de uma distante memória feliz.

Apenas a aldeia olímpica sobreviveu para tocar a vida das gerações mais recentes, transformando-se nos bairros residenciais de Mojmilo e Dobrinja, nas imediações do aeroporto.

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Conheci a Bósnia-Herzegovina e o Montenegro em 2011, apesar de já ter ouvido muito sobre o país através do meu vizinho e amigo Vedo. Desde então regressei várias vezes, apaixonado pelo tom misterioso de um país que será talvez o menos visitado da Europa. Acabei por ser convidado pela The Wanderlust para organizar expedições à Bósnia e Herzegovina e Montenegro, tornando-me, por assim dizer, um profissional de viagem à Bósnia e Herzegovina.

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